A trilha sonora da chuva
To indo embora. Tchau.
Tchau. Ei, espera que eu te levo. Não precisa. É sério, não tem problema. Tá
bom. Saímos. Cadê o carro? Tá na rua de cima. A madrugada congelava qualquer
tipo de faísca no ar. Frio. Chuva. Vento. Até a lua se escondeu. E você não
achava esse carro. Talvez não quisesse achar. Ou talvez foi o whisky que te fez
sair comigo na chuva. Ela caía insistente em nós dois, nos encharcando
completamente. Toma, pega o meu blazer e cobre o seu cabelo. Não precisa.
Precisa sim. (E não precisava mesmo. Pela primeira vez em muito tempo, eu não
me preocupei se o meu cabelo ficasse ruim. Não mesmo). Cadê esse carro? Para de
reclamar. Meu Deus. Você tá bêbado. Eu só não me lembro. Chovia. Três da manhã.
Minha rua preferida. O quarteirão que tinha pedaços de mim. O quarteirão que
era o meu ciclo vicioso. Não conseguia sair. Meu inferno particular. Meu
labirinto. Mas eu adorava cada segundo presa naquilo. É sério, cadê o carro?
Para de reclamar, quer ir a pé? Você tropeça. Eu rio. Meu Deus do céu, ele está
tão bêbado. Nem faz ideia do que faz. Por que assim, sempre assim? Lembrei! Fica
aqui, vou ir pegar. Mas eu tô sozinha. Fica aqui embaixo, assim você não se
molha. Já volto. Ah..., mas eu já estava molhada. Ensopada. Afundada nessa
chuva que parava às vezes. Mas sempre voltava. E eu sempre saía da cobertura
para me molhar mais. A luz do carro bateu em meus olhos, e eu sabia que era
você vindo. A porta se abriu. Entra. Entro. Eu estava ensopada. You can’t always get
what you want. Sorrio ao escutar. É a minha música. O refrão da música berrava no seu carro. Pronta? Você arranca com o carro. Sabe, se você não fosse tão mau, eu iria gostar de você. E se você não fosse tão fria, eu iria gostar de você. Tá. Tá? Já me disseram coisa pior. É? É. O quê? Se você não analisasse tudo demais e se você não escrevesse cada cena da sua vida em sua cabeça, isso poderia dar certo. Se você não fosse escritora, eu iria gostar de você. Nada, não importa.
3 comentários
SEM COMENTÁRIOS, os textos de vocês são simplesmente perfeitos, impecáveis! Quantas vezes já vim aqui só pra reler os textos haha
ResponderExcluirperfeito como todos os outros!
"Nada, não importa!"
ResponderExcluirNooooooossa, sem palavras pra vocês duas! Não sei quem escreveu o texto, mas independente de quem foi, vocês duas arrasam, e eu não vou cansar de repetir isso haha
Beijoooos,
Mariana Mortani
Belo texto.
ResponderExcluirQuanto à última parte, acredito que escrever "cada cena de sua vida em sua cabeça" seja a sina de todo escritor. Ah, quantas verdades não ditas sempre estão escritas em cada capítulo. Por quantas vezes meus personagens não tiveram que lidar com as mesmas dores que eu lidei, enquanto eu transformava a minha vã realidade em simples palavras…
Talvez a vida seja mais bem compreendida e aceita através de caneta e papel. Pois assim, por mais duro que sejam os fatos, eles sempre serão retratados como pura e simples ficção.