Amigos amigos, papel carbono à parte
Fui entender, só agora,
no finalzinho da noite, quando todos os tipos de pensamentos já passaram pela
minha cabeça, o porquê de ter ficado tão abalada ao ver a sua foto. Quer dizer,
não era porque você estava em outro país conhecendo o mundo e eu aqui, na mesma
cidade, indo aos mesmos lugares e cometendo os mesmos erros, e também não era
porque tinha uma mulher ao seu lado. Não, não, nada disso.
Engraçado, sabe, porque
hoje eu fui ao dentista - pelo amor de Deus, eu odeio ir ao dentista, tenho
pavor daquela broca com aquele barulho terrível, como se fossem cortar minha
língua e o bonequinho do Jogos Mortais fosse aparecer a qualquer segundo - e me
permiti pensar em você só para não pensar no que estava acontecendo na minha
boca - uma roca medonha, um sugador de saliva, dois pedaços de algodão e uma
massa branca. E, é claro, a luz na minha cara e a dentista e a instrumentadora
comentando sobre algum babado do consultório, e de vez em quando a dentista me
perguntava: tudo bem, e eu assentia, mas, na real, não estava nada bem porque
eu tinha milhares coisas na boca, na cabeça e no coração, e me vi concordando,
dizendo que sim, tudo certo, tudo bem, muito obrigada.
De qualquer maneira, foi
em você que eu pensei durante toda aquela sessão excruciante, onde paguei todos
os pecados que cometi com você no nosso último reencontro naquele bar, sempre
naquela rua, naquela esquina e naquele maldito bairro do qual eu nunca consigo
ficar longe. Achei que seria divertido me permitir pensar em você. E até que
foi. Acabei pensando no seu cheiro. Sim, a coisa mais estúpida e clichê da face
da Terra, mas lá vai: você cheira a sabão e um aroma doce que não consigo entender
ou descobrir ou desvendar. E então percebi que você é igual ao seu cheiro.
Posso ver quem você é logo de cara, assim como o sabão, mas nunca consigo
compreender suas atitudes e as coisas que fala, como o aroma doce que não
desvendo de jeito nenhum. No final das contas, acho que isso é uma coisa boa.
Não conseguir desvendar você, quero dizer. Porque eu sei, lá no fundo,
soterrado, bem trancafiado, que, se eu começar a te entender, não vou gostar da
descoberta, e isso me fará falar coisas, e você acabará indo embora novamente,
por que não é isso que sempre faz? Desse modo, continuarei a pensar no seu
cheiro. E no seu tênis, que o fazem parecer um menino brincalhão fazendo
traquinagens por aí. Gosto muito dos seus tênis. Não são pretensiosos, são
honestos. E fofos. E devem ser bem confortáveis, porque esses dias eu sonhei
que voltava da balada e que meus pés estavam me matando por causa daquela merda
de salto alto que só promete e nada cumpre, e dai você me emprestava seus tênis
marrons e confortáveis e então caminhávamos pela rua, você de meias e eu com o
seu tênis e com meus saltos na mão, até eu encontrar um táxi. Por sinal, eu
saberia que não voltaria chorando nesse táxi.
Mas... espera aí. Por que
diabos eu estou falando sobre usar o seu tênis no meio da noite? Por que diabos
eu estou falando no seu tênis e ponto?
São 2:20 da manhã e eu realmente estou escrevendo sobre isso? Ok, essa
bizarrice acabou de ir para um outro nível. Sem mencionar que todo esse papo me
fez lembrar da dentista, e por sua vez o barulho da roca, e por fim o carinha
do Jogos Mortais, e agora estou com medo pra valer, porque tá muito escuro e é
de madrugada. Já mencionei que estou sozinha?
"Amigos amigos,
porta carbonos a parte ..Protinho, dona Monique, você está liberada", foi o que minha dentista
me disse ao terminarmos a sessão tortura, e eu meio que levei um susto porque,
de novo, eu vaguei, vaguei e não cheguei a lugar nenhum. Não é triste ficar
rodando? É como dançar sozinha pelo resto da vida. De qualquer maneira,
precisei contar sobre minha ida ao dentista e sobre meus pensamentos bizarros
para finalmente chegar onde eu queria - a foto. E, meu Deus, que foto. E o pior
de tudo é que eu só fui sacar a pontada no estômago agora. Tipo, agora mesmo.
Não é porque você está absurdamente gato na foto, ou porque se parecesse com o
Joshua Bawman nela, ou até mesmo porque você está em outro país, a milhares de
quilômetros. Ou, pior ainda, porque tem uma baranga de 148 anos ao seu lado.
Não, não. É porque eu saquei o que a dor, ao ver aquela foto, significava. E aí
vai: eu nunca vou te ter. Nunca. Não do jeito que eu quero. Só essas esbarradas
pela noite, só essas piadas que o destino gosta, porque ele é o único que sai
rindo disso tudo. Então, se eu não posso te ter, por que continuo a escrever sobre
você? Quer dizer, já faz 2 anos. DOIS. E, tudo bem, eu nunca
gostei pra valer de você. Mas, ao sentir o que eu senti ao ver aquela foto, eu
percebi que estou começando a me apaixonar. E isso não é bom, porque todos
sabem como as coisas terminam quando eu me apaixono pra valer por alguém. Dá
última vez eu acabei levando meses pra me recuperar - recuperação com altos índices
de tequila e vergonhosas recaídas em praça pública.
"Amigos amigos, porta carbonos à parte". E, olha só, está chovendo agora, e eu queria que meus sentimentos chovessem pra fora de mim e caíssem no asfalto, mas, adivinha, não vai rolar. Só tô escrevendo isso porque fiquei curiosa. "Amigos amigos, porta carbonos à parte". Você entendeu direito isso? Porque eu acabei de entender. Entendi tudo.
1 comentários
Uau, amei seu texto. Eu preciso começar a escrever também! Acho muito legal quem consegue organizar a confusão que os sentimentos podem ser em linhas, e ainda assim, ser 'entendível'.
ResponderExcluirClara
@mmundodetinta
maravilhosomundodetinta.blogspot.com.br